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23 dez 2024, seg

Como os Estados Unidos, arqui-inimigo de Cuba, possuem um pedaço do território cubano? A história intrigante da prisão de Guantánamo

É praticamente inimaginável para muitos que os Estados Unidos, uma nação que há décadas tem um relacionamento hostil com Cuba, detenham o controle de uma pequena parte do território cubano. Sim, estamos falando da famosa e, ao mesmo tempo, infame base militar de Guantánamo, onde os EUA mantêm uma prisão de segurança máxima. Mas como isso é possível? Como uma superpotência capitalista conseguiu estabelecer um ponto estratégico dentro de um país socialista e de seu inimigo declarado?

A resposta está no meio de um fascinante jogo de poder, política e história que remonta ao final do século XIX. Vamos entender como esse território cubano acabou nas mãos de uma nação que, hoje, se posiciona como um adversário ferrenho de Cuba.

O contexto histórico: de colônia espanhola à independência de Cuba

A história começa no fim do domínio espanhol sobre Cuba. A ilha foi uma colônia da Espanha por mais de 400 anos até que, no final do século XIX, a luta pela independência se intensificou. Nesse momento, os Estados Unidos já tinham interesses estratégicos na região e viam uma oportunidade de influenciar o futuro da ilha. Durante a guerra de independência de Cuba contra a Espanha, os EUA intervieram sob o pretexto de apoiar os cubanos. O clímax desse envolvimento foi a explosão do navio USS Maine, em 15 de fevereiro de 1898, na baía de Havana, o que deu aos EUA o pretexto para entrar na guerra contra a Espanha, resultando na Guerra Hispano-Americana.

Quando a Espanha foi derrotada, Cuba conquistou a independência em 20 de maio de 1902, mas os EUA, como “grande herói”, não saíram de cena. Pelo contrário, permaneceram profundamente envolvidos nos assuntos da ilha. Em 1901, os Estados Unidos impuseram a Cuba a Emenda Platt, um conjunto de condições que permitia ao governo americano intervir nos assuntos internos cubanos e estabelecer bases militares na ilha. A Emenda foi altamente impopular em Cuba, mas os Estados Unidos a colocaram como condição para a retirada de suas tropas do país.

O contrato de Guantánamo: como os EUA obtiveram um pedaço de Cuba

Em 1903, Cuba foi forçada a assinar um tratado de arrendamento com os Estados Unidos que concedia o uso da Baía de Guantánamo para fins militares. O acordo estabelecia que os EUA teriam direito à base naval indefinidamente, desde que mantivessem o pagamento anual de 2 mil dólares em ouro — um valor que hoje equivale a 4.085 dólares. O contrato original foi renovado em 1934, consolidando a presença dos EUA na ilha. Desde a Revolução Cubana de 1959, o governo cubano, liderado por Fidel Castro, recusou-se a aceitar o pagamento, considerando-o um valor simbólico e uma afronta à soberania cubana. No entanto, os Estados Unidos continuam enviando os cheques, que ficam intocados.

Um detalhe curioso: apenas uma vez, por engano, Castro chegou a depositar um desses cheques, mas rapidamente deixou claro que isso não significava reconhecimento da legitimidade do arrendamento.

Polêmicas e fatos históricos em Guantánamo

Guantánamo, com seus 117 km², passou de uma base naval estratégica para uma das prisões mais controversas do mundo. O local ganhou notoriedade após os atentados de 11 de setembro de 2001, quando o governo do então presidente George W. Bush decidiu utilizar a base para deter suspeitos de terrorismo capturados no Oriente Médio e outros lugares. Guantánamo oferecia uma vantagem importante: estava fora do território continental dos Estados Unidos, o que significava que os presos poderiam ser mantidos sem as garantias do sistema legal americano. Lá, os detentos ficavam em um verdadeiro limbo jurídico.

A prisão de Guantánamo foi oficialmente aberta em 11 de janeiro de 2002, com a chegada dos primeiros prisioneiros da Guerra ao Terror. Em seu auge, em 2003, abrigava 680 detentos. No entanto, as polêmicas começaram a crescer rapidamente com as denúncias de maus-tratos e tortura. Um dos casos mais emblemáticos foi o de Mohamedou Ould Slahi, que ficou preso em Guantánamo por 14 anos sem nunca ter sido formalmente acusado de um crime. Ele denunciou sessões de tortura, como privação de sono, espancamentos e abuso psicológico, práticas que foram posteriormente confirmadas por documentos oficiais.

A base militar também se tornou o cenário de outro famoso escândalo envolvendo Khalid Sheikh Mohammed, considerado o principal mentor dos ataques de 11 de setembro. Mohammed foi capturado em 2003 e levado para Guantánamo, onde passou por técnicas de tortura, incluindo o infame “waterboarding” (afogamento simulado), um método que gerou debates acalorados sobre a ética e legalidade de tais práticas. Em 2006, após um longo período de prisão, Mohammed confessou seu papel nos ataques terroristas.

As tentativas de fechar Guantánamo

Em 2008, durante sua campanha presidencial, Barack Obama prometeu fechar a prisão de Guantánamo. No entanto, uma vez no cargo, ele enfrentou uma série de obstáculos políticos e legais que impediram o cumprimento da promessa. Embora tenha conseguido reduzir o número de prisioneiros para menos de 100 durante seu mandato, a prisão permaneceu aberta. Um dos principais motivos para isso foi a resistência do Congresso dos EUA, que proibiu a transferência de prisioneiros para solo americano.

Guantánamo ainda opera como prisão, embora em escala muito reduzida. Atualmente, há 35 prisioneiros remanescentes, e o custo anual de manter a instalação é impressionante: cerca de 500 milhões de dólares por ano, tornando Guantánamo uma das prisões mais caras do mundo. Esse valor abrange os custos de segurança, manutenção e cuidados com os detentos.

Guantánamo e a Revolução Cubana: o que mudou?

Com a vitória de Fidel Castro na Revolução Cubana, em 1959, as relações entre Cuba e os Estados Unidos se deterioraram rapidamente. Castro sempre se opôs à presença dos EUA em Guantánamo, afirmando que o arrendamento foi imposto sob pressão e, portanto, era ilegítimo. Desde então, a base militar tem sido uma questão altamente sensível nas relações bilaterais.

Em 1961, quando os EUA romperam relações diplomáticas com Cuba e impuseram um embargo econômico, a presença militar em Guantánamo tornou-se ainda mais controversa. A Revolução, que inicialmente buscava libertar Cuba da influência americana, agora enfrentava a realidade de ter uma base militar estrangeira firmemente plantada no seu território.

Nomes importantes envolvidos

A história de Guantánamo é marcada por figuras políticas e militares de grande relevância. Fidel Castro, o líder revolucionário de Cuba, foi o mais vocal opositor da presença americana em Guantánamo, vendo-a como um símbolo de imperialismo. Nos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, presidente na época da renovação do tratado em 1934, reforçou a presença americana em Guantánamo, consolidando a base como um ponto estratégico no Caribe.

Após os atentados de 11 de setembro, o então presidente George W. Bush foi o principal responsável pela transformação de Guantánamo em um centro de detenção para suspeitos de terrorismo. Mais tarde, Barack Obama tentou sem sucesso fechar a prisão, destacando a complexidade política e legal em torno de Guantánamo.

O futuro de Guantánamo

Muitos se perguntam o que acontecerá com Guantánamo. Enquanto a administração de Joe Biden expressou interesse em fechar a prisão, obstáculos semelhantes aos que enfrentaram Obama continuam a existir. Enquanto isso, a base permanece como um resquício de uma era de intervenção americana direta em Cuba, alimentando debates sobre a soberania cubana e os direitos humanos.

A história de Guantánamo é uma peça fascinante do quebra-cabeça geopolítico, onde a realidade parece superar a ficção. Como um pedaço de Cuba pode continuar nas mãos de seu maior arqui-inimigo, mantendo um território que se tornou um símbolo global de tensões diplomáticas, tortura e a luta pelos direitos humanos? O futuro de Guantánamo continua a ser incerto, mas uma coisa é certa: a história deste pequeno território está longe de terminar.

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